Ariranhas fêmeas dão lição em filhotes que não tomam banho no Pantanal



        Depois de uma grande cheia, a busca por águas transparentes não é nada fácil. Até encontrarmos o lugar ideal, fomos da região do Rio Miranda até o Paiaguás, onde ficam os alagados do Rio Taquari. Temos um convidado especial: o documentarista, especializado em filmar a vida selvagem mundo afora, Lawrence Wahba.




        “Em termos de natureza, eu tenho duas paixões: os oceanos e o Pantanal. Esse lugar que a gente está, para prática de mergulho, é o lugar mais especial de todo o Pantanal”, diz.
As ilhas de Camalote são um bom sinal. As plantas ajudam a filtrar a água. Em pequenos trechos de rio, os cardumes vão se reproduzir. É um berçário natural. Os peixes ficam embaixo da raiz da vegetação aquática.

Um aquário; pacupevas, piaus-três-pintas, sauás, piavuçus, pacus... As piraputangas parecem flutuar sobre a vegetação. Até os dourados aparecem em cardumes. É uma cena rara. Os emaranhados de galhos formam castelos e labirintos. O capim cresce à vontade, verde ou vermelho. Um imenso tapete.

     Das piranhas, é bom respeitar uma distância. Mas elas passaram e nem ligaram para nós.
O cascudo se protege, se finge de morto. Quem descuida, vira comida. Nos rios pantaneiros, vivem mais de 260 espécies de peixes. Raízes, musgos e troncos alimentam e servem de abrigo.

     O  jacaré tenta se disfarçar. Não quer conversa. Faz que vai embora, mas volta, mostrando os dentes. Perigo? Isso não é nada. Lawrence Wahba encontra um recanto de arraias em um lugar praticamente desconhecido no Pantanal do Paiaguás e flagra uma imensa arraia pintada tentando se esconder. Quando percebe a presença dele, sai em disparada. Perseguida pela câmera, levanta uma cortina de sedimentos e se perde nas águas do Rio Taquari.

No Pantanal do Rio Vermelho, até os bichos mais ariscos dão as caras quando a água começa a baixar. A pesquisadora tenta captar sinais. Procuramos uma espécie ameaçada de extinção: a ariranha. Nas cheias, as famílias se espalham pelos alagados, mas alguns animais têm transmissores implantados que emitem sinais de rádio.

Arredias, aparecem aos poucos. Não gostam de gente espiando. “É o macho dominante. Aquele foi um sinal de alerta, ele está investigando as novidades no território dele”, diz a bióloga Caroline Leuchtenberger, da Embrapa.

As ariranhas precisam de rios com água limpa, pouco movimentados e com mata preservada para viver. No Brasil, muitas desapareceram por causa da destruição da vegetação nativa. A estimativa é que existam cerca de cinco mil ariranhas, no máximo.



  O buraco escavado no barranco é a entrada da loca. Parece pequeno, mas embaixo da terra tem um labirinto. Moram 14 ariranhas. Os pesquisadores descobriram que essa espécie é territorialista. Enquanto um grupo está morando em uma loca, outro não chega nesta casa, até porque todos os dias o macho dominante marca o território para espantar os invasores.
      Sapateia, faz uma lambança, se esfrega para deixar a terra impregnada com o próprio cheiro. Até expele uma secreção com odor forte. É o jeito de mostrar que o pedaço tem dono.
Mas quem comanda essa imensa família, na verdade, é a dona da casa. Ela arrasta o filhote que não gosta de tomar banho para fora da loca. E, junto com os irmãos mais velhos, dá uma aula de limpeza.

“Ela é que comanda. Agora está na hora de a gente pescar. Agora está na hora de a gente sair daqui e fazer outra coisa. Então os outros membros do grupo respeitam muito a fêmea dominante nesse sentido”, explica Caroline Leuchtenberger.
Os pesquisadores descobriram que as ariranhas têm menopausa. É quando as mais jovens assumem a reprodução.

“Ela vai passar a experiência dela para essa fêmea, essa nova reprodutora. Em troca, ela vai receber alguns benefícios dos outros indivíduos”, diz a pesquisadora.
As famílias de ariranhas são enormes e fazem tudo junto. Aos dois meses, os filhotes aprendem a pescar. Já crescidos, adoram roubar o peixe dos mais velhos. Eles brincam e se protegem. Para proteger a família, o macho dominante enfrenta sem medo o jacaré.

       Há nove anos pesquisadores da Embrapa monitoram e estudam o modo de vida das ariranhas no Rio Negro e no Rio Vermelho. A mancha branca no pescoço, diferente em cada uma delas, é a identidade do animal. Não existem duas iguais. Os pesquisadores sabem até que as ariranhas têm uma linguagem própria. Já identificaram nove sinais sonoros - um jeito de se comunicar. Os gritinhos e assovios são chamados. O rosnado é para expulsar rivais ou dizer que estão incomodadas.

Mas ainda há muito o que se conhecer sobre esta que é uma das espécies de lontra mais ameaçadas do mundo. Uma vida que se equilibra frágil, entre a superfície dos rios e os subterrâneos das margens que os cercam.

Fonte: Globo Repórter / G1 Vídeos
            Cláudia Gaigher

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