Os repórteres do Fantástico vão a uma região inexplorada do Pantanal Sul-Mato-Grossense para mostrar o que 40 anos de agressão ao meio-ambiente provocaram. E a resposta que a natureza está dando.
O Pantanal que encanta o mundo é a maior planície alagável do planeta, o maior refúgio de vida silvestre das Américas. O Pantanal que poucos conhecem é um cemitério de árvores. “Aqui antes se criava boi. Agora é só água”, conta o fazendeiro Ruivaldo de Andrade.
A inundação avança silenciosa. A causa está nas regiões mais altas, bem longe do Pantanal. Há mais de 30 anos a vegetação nativa deu lugar a pastos e lavouras nas terras onde estão as nascentes dos rios que formam a Bacia do Taquari. Naquela época, não se sabia o impacto que o desmatamento poderia ter no rio. Sem a proteção natural, veio a degradação do solo.
A chuva carregou milhares de toneladas de areia e encheu o leito do rio. A força da correnteza abriu braços, desviando mais da metade da água para os campos. Uma área de 11 mil quilômetros quadrados, dez vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro, ficou alagada.
O lugar parece um rio, mas já foi estrada. Uma fazenda já teve 16 mil cabeças de gado. Toda a região era pasto nativo, mas a água do Rio Taquari se espalhou, e a propriedade está permanentemente inundada.
“Com certeza é o maior problema ambiental do Pantanal. O núcleo de pequenas propriedades do Pantanal hoje já não existe mais por causa desse grande desastre. E o prejuízo econômico disso, seja da pecuária ou da pesca, é bastante acentuado”, diz Roberto Gonçalves, diretor do Instituo do Meio Ambiente (MS).
O desafio da equipe do Fantástico foi chegar aos locais mais isolados, onde as pessoas vivem ilhadas. Os repórteres desceram pelo Rio Paraguai até entrar em um afluente que leva à região dos Alagados. A água é limpa, dá para ver o fundo. Há pequenas porções de mata que ainda não foram alagadas.
Só quem mora na região do Rio Taquari conhece o caminho das águas. Foram os pescadores que abriram um espaço no meio da vegetação. Não existem cartas náuticas ou mapas para auxiliar a navegação. Depois de quatro horas de barco, finalmente o Fantástico chega em terra firme. Foi a primeira vez que uma equipe de TV visitou aqueles recantos.
Seu Ruivaldo era filho de fazendeiro rico. Estudou no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas teve de voltar ao Pantanal quando a água começou a inundar as terras da família.
“Meu pai chegou a ter mais de mil cabeças. Hoje nós temos 120, 150. E temos que viver assim. É um Pantanal que está morrendo em nível acelerado”, conta. “Hoje eu fico com lágrimas nos olhos. Tinha uma fazenda chamada Corixão, que era de um tio meu e foi abandonada. Eu calculo que nessa região tenha umas 30 fazendas ou mais. Os vizinhos de várias propriedades foram embora”.
Enquanto na superfície a vegetação nativa dá sinais de que não suporta tanta água, na área de inundação permanente do Rio Taquari a natureza mostra a sua força. Mergulhando nos canais abertos na vegetação, encontra-se um Pantanal diferente embaixo da água, um aquário natural. Plantas coloridas e diferentes tons de vermelho, um jardim submerso. Protegidos pela vegetação, os cardumes encontram um lugar seguro. Raízes emolduram labirintos. As piranhas usam as raízes dos aguapés para desovar e defendem o ninho.
“As piranhas ficam a mais ou menos cinco centímetros do joelho e não mordem ninguém”, afirma o documentarista Lawrence Wahba.
No dia seguinte, a equipe de reportagem conhece outro refúgio. Armando Lacerda é um fazendeiro tradicional da região, mas os tempos de fartura ficaram para trás. “O problema dessa região não é a enchente. Nós tínhamos enchentes até maiores do que essa no passado. O problema é que enchia bastante, mas secava bastante. Hoje em dia não”, descreve.
Navegando pelo Rio Mata Cachorro, a equipe para o barco sobre os aguapés. Tem de entrar na água sem tocar os pés no chão. Senão, a matéria orgânica do fundo levanta e suja a água cristalina. “De repente, no meio de um desastre ambiental, acabou se formando um labirinto com alguns dos melhores pontos de mergulho de água doce do mundo”, diz Lawrence Wahba.
Sinal de que a natureza se adapta, mas o problema está longe de ser resolvido. Já começou o plantio de mudas nativas para recuperar as matas em volta das nascentes e evitar que mais areia desça para o rio. Mas o resultado pode levar décadas. Pena que Seu Ruivaldo não tenha mais como esperar que a enchente vá embora.
“Meus filhos não merecem receber uma herança abandonada, sem futuro. Pela educação dos meus filhos, tenho que ir embora. Na situação em que eu me encontro hoje, para educar meus filhos, não posso mais continuar aqui”, lamenta.
Fonte: G1 / Fantástico / Cláudia Gaigher
Fotos: Divulgação
Imagens Subaquáticas: Lawrence Wahba, Lucas Pupo
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